domingo, 24 de abril de 2011

Desencontros Linguísticos


                                  Existem quatro modalidades que explicam as variantes linguísticas:

1.            Variação histórica (palavras e expressões que caíram em desuso com o passar do tempo);
2.            Variação geográfica (diferenças de vocabulário, pronúncia de sons e construções sintáticas em regiões falantes do mesmo idioma);
3.            Variação social (a capacidade linguística do falante provém do meio em que vive sua classe social, faixa etária, sexo e grau de escolaridade);
4.             Variação estilística (cada indivíduo possui uma forma e estilo de falar próprio, adequando-o de acordo com a situação em que se encontra).
A ideia que predomina na sociedade capitalista é que “o bom português é aquele praticado em determinada região”, “o caboclo fala errado”, “nenhum brasileiro fala o português corretamente”. Indivíduos não conhecedores das variantes linguísticas “adoram” fazer afirmações como essas. Mas é preciso que coloquem em suas mentes que a língua varia de acordo com a região em que é falada (devido à sua cultura, costumes e classe social) e que essa variação afeta a norma criando, então, uma modalidade de linguagem para cada situação específica de ocorrência verbal. Não existe então “certo e errado” no ato linguístico, mas sim variantes decorrentes de alguns fatores sociogeográficos e culturais. “O bom português é o das épocas de ouro da literatura”. Primeiro, há um português culto falado e um escrito. Mas a língua escrita é mais conservadora que a falada; segundo, a norma ancora a língua no contemporâneo; terceiro, a língua é um fenômeno social, e sua existência prende-se aos grupos que a instituíram. Bagno afirma que “a mídia poderia ser um elemento precioso no combate ao preconceito linguístico. Infelizmente, ela é hoje o pior propagador deste preconceito. Enquanto os estudiosos, os cientistas da linguagem, alguns educadores e até os responsáveis pelas políticas oficiais de ensino já assumiram posturas muito mais democráticas e avançadas em relação ao que se entende por língua e por ensino de língua, a mídia reproduz um discurso extremamente conservador, antiquado e preconceituoso sobre a linguagem”. Programas de rádio e televisão, sites da internet, colunas de jornal e outros meios de multimídia estão cheios de “absurdos” teóricos e “distorções”, pois são feitos por pessoas sem formação científica sobre o assunto. Divulgam “bobagens” sobre a língua e discriminam os estudiosos da linguagem. Isso atrapalha a desmistificação do “certo e errado” e acaba propagando o preconceito. Em suma, para se acabar com o preconceito, seja ele racial, social ou qualquer outro, é necessário que haja uma democratização da sociedade, que dê oportunidades “iguais” a todos, reconhecendo e respeitando suas diferenças.

Exemplo de Variação Histórica


Uma das mais comuns Variações Linguísticas é a que marca a mudança do Tempo: a Variação Histórica. Uma pessoa nascida na década de 50, por exemplo, tem vocabulário diferente de uma nascida na década de 90.


Mitos na Língua Portuguesa

A respeito da prática do preconceito linguístico pela população, Marcos Bagno, autor do livro “Preconceito Linguístico”, apresenta oito mitos transmitidos por ela.

Mito nº1: “O português do Brasil apresenta uma unidade surpreendente”
A ciência linguística prova que, no mundo, não existe nenhuma língua uniforme e homogênea, mas sim, uma língua viva, heterogênea, com variações em todos os níveis estruturais (fonologia, morfologia, sintaxe, léxico) e em seu uso social. Nosso português brasileiro, apresenta então, grande variabilidade e diversidade, sendo em torno de 200 línguas diferentes faladas no país, fato que se dá pela grande extensão territorial, gerando diferenças regionais, e principalmente pela desigualdade social, que gera um abismo linguístico entre as diversas classes sociais existentes em nosso país. Como consequência, a educação no Brasil sofre com a imposição de uma norma linguística, como se tal fosse padrão entre os falantes do país, prejudicando diretamente os alunos que não compreendem o que vem sendo ensinado nas escolas. Outro exemplo são as camadas menos favorecidas, que não tem acesso à “língua” utilizada em órgãos públicos, deixando assim de usufruir de vários serviços que são de seu direito, simplesmente pelo fato de não compreenderam a linguagem utilizada.
Mito nº2: “Brasileiro não sabe português/Só em Portugal se fala bem português”
O esclarecimento desse mito é muito simples: o português falado em Portugal, é diferente do português falado no Brasil. O que acontece é que fomos colonizados por Portugal, então por comodidade falamos “português”, e atualmente, vem sendo dito “português brasileiro”, sendo que já possuímos nossa gramática, a qual possui uma grande diferenciação da gramática de Portugal. Essas diferenças ficam mais evidentes no que diz respeito à língua falada, que muitas vezes, se torna incompreensível.

            
Mito nº3: “Português é muito difícil”
Esse mito baseia-se no fato de que, nossas regras gramaticais fundamentam-se na norma gramatical literária de Portugal, ocasionando então, um aprendizado de regras que não correspondem ao que realmente falamos e escrevemos no Brasil. A partir desse pressuposto, concluímos que o Português só se torna “difícil” por aprendermos algo que não tem significado algum para nosso uso. Todo falante nativo de uma língua, sabe como empregá-la com habilidade em seu cotidiano. Um exemplo claro disso é uma criança de 5-6 anos, que já sabe se comunicar com eficiência, sem ao menos ter frequentado um banco de escola. Isso se dá por estarmos rodeados pela língua! Então não existe língua difícil, todas as línguas são passíveis de aprendizado se o falante estiver contextualizado com ela.

Mito nº4: “As pessoas sem instrução falam tudo errado”
Pela visão do preconceito linguístico, qualquer manifestação da língua fora do triângulo escola-gramática-dicionário é considerada errada. Mas existem alguns fenômenos linguísticos a serem considerados na fala, como por exemplo, a transformação do L em R nos encontros consonantais como “praca”, “pranta”. Observe as palavras: “prata”, “praga”. A etimologia delas é “plata”, “plaga”. Conclui-se então, que a própria origem das palavras explica esses fenômenos que muitas vezes são ridicularizados. Existem pessoas, tanto das classes sociais menos favorecidas, como das classes de prestígio, que tem dificuldade na pronúncia de algumas palavras, e isso acontece devido a problemas articulatórios que pode ser resolvido com assistência médica.

Mito nº5: “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”
Como diz o autor “não sei quem proferiu essa grande bobagem”, e na verdade, não passa de um mito sem fundamentação científica. O que acontece no Maranhão é a utilização do pronome tu, seguido do verbo –s (tu vais, tu queres), mas isso não dá sustentação suficiente a esse mito devido a outras variações que acontece no Maranhão. Mas o que acontece com o português do Maranhão, é basicamente que não há uma variedade nacional que seja mais pura do que a outra, e sim, uma variedade que atende às necessidades dos falantes de sua determinada região. Levando em consideração, que a variação também depende de um contexto histórico dessa região.

Mito nº6: “O certo é falar assim porque se escreve assim”
Devido à variação que acontece em toda comunidade linguística, toda língua não é falada do mesmo jeito em todos os lugares, e nem do mesmo jeito o tempo todo. Existem os sotaques da cada região que permitem que a mesma palavra falada em todo o Brasil possa ser pronunciada de forma diferente devido a esse fenômeno. É importante ensinar aos alunos a escrita de acordo com a ortografia oficial, a fim de que haja padronização na escrita para que todos que leiam possam compreender. Infelizmente é comum no ensino de uma língua ler como se escreve, porém acaba não condizendo com a realidade.

Mito nº7: “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”
Essa afirmação é comum entre professores de português, e também divulgada em gramáticas normativas, porém não condiz com a realidade. Um exemplo disso são os grandes escritores que não tem domínio da gramática normativa, e afirmam tal fato, assim como os gramáticos não são necessariamente bons escritores. O que leva a uma boa prática escrita são a leitura e escrita por parte do aluno, a fim de formar um ser letrado para a sociedade contemporânea. Há registros históricos de literatura muito antes de serem criadas as gramáticas normativas. A língua sofre mudanças a todo tempo, é como um rio corrente; já a gramática é como um lago, parado, sem correnteza. Ou seja, a gramática está submissa à língua que é cheia de fenômenos e vive se renovando, enquanto a gramática não sofre tais alterações.

Mito nº8: “O domínio da norma-padrão é um instrumento de ascensão social”
Se realmente a norma-padrão fosse responsável pela ascensão social, ocupantes do topo da pirâmide social, econômica e política, seriam os professores de português, afinal, quem tem mais domínio da norma-padrão do que eles? Outro exemplo que se contradiz ao mito: um grande fazendeiro, praticamente analfabeto, mas dono de milhares de cabeças de gado, indústrias agrícolas, e influente na política de sua região, pode falar naturalmente sem dominar a norma-padrão, que terá um prestígio muito maior na hierarquia social. Então de que adianta o domínio da norma padrão, se ao menos o cidadão não tem acesso á água encanada, rede de esgoto, luz elétrica e um lugar decente para morar? É necessário acesso à educação no âmbito geral, e condição de uma vida digna de um cidadão merecedor de todo respeito.

BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. 51.ed.São Paulo: Edições Loyola,2009

Principais Variantes

         Características mais comuns de outras variedades linguísticas que não a norma padrão do Português Brasileiro:

     
Uso de “r” pelo “l” em final de sílaba e nos grupos consonantais: pranta/planta; broco/bloco.
Alternância de “lh” e “i”: muié/mulher; véio/velho.
Tendência a tornar paroxítonas as palavras proparoxítonas: arve/árvore; figo/fígado.
Redução dos ditongos: caxa/caixa; pexe/peixe.
Simplificação da concordância: as menina/as meninas.
Ausência de concordância verbal quando o sujeito vem depois do verbo: “Chegou” duas moças.
Uso do pronome pessoal tônico em função de objeto (e não só de sujeito): Nós pegamos “ele” na hora.
Assimilação do “ndo” em “no”( falano/falando) ou do “mb” em “m” (tamém/também).
Desnasalização das vogais postônicas: home/homem.
Redução do “e” ou “o” átonos: ovu/ovo; bebi/bebe.
Redução do “r” do infinitivo ou de substantivos em “or”: amá/amar; amô/amor.
Simplificação da conjugação verbal: eu amo, você ama, nós ama, eles ama.

Exemplo de Variação na Linguagem

              Podemos perceber que em personagens famosos é explorada a variedade linguística como forma de caracterizá-los. O Cebolinha, de Maurício de Sousa, é um exemplo disso.

Comentário sobre o Preconceito Linguístico

O Nanoconto é um dos novos formatos de textos surgidos com a internet. Embora seja criticado por alguns e caracterizado como sub-literatura, se dissemina por redes sociais e consegue cada vez mais leitores do gênero.